Reflexos da pandemia: como lidar com o aumento da depressão entre crianças e jovens  

Educadoras apontam caminhos para enfrentar problema 

As escolas devem estar atentas e preparadas para lidar com um assunto que sempre preocupou, mas se agravou desde a chegada da pandemia: o aumento da depressão entre crianças e adolescentes. Há um projeto de lei avançando no Congresso Nacional que aborda esse assunto tão importante: o PL 4712/2019. A matéria foi aprovada na Câmara dos Deputados em maio e agora aguarda apreciação pelo Senado Federal. O projeto cria o Programa Nacional de Prevenção da Depressão. 

Segundo o substitutivo, o programa terá oito objetivos, entre eles combater o preconceito social contra as pessoas com depressão, realizar campanhas educativas voltadas principalmente para crianças e adolescentes e garantir o acesso integral à atenção psicossocial e ao tratamento adequado das pessoas com depressão no Sistema Único de Saúde (SUS), com prioridade para as ações preventivas. 

Levantamento do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) indicou que 36% dos jovens brasileiros desenvolveram quadros de ansiedade e depressão durante a fase mais aguda da pandemia da Covid-19. 

Para a escritora o jornalista Isa Colli, que publicou artigo recente sobre o assunto no jornal O Dia, é preciso provocar o debate nas escolas, incluindo as famílias. “Quando visito escolas para apresentar os meus livros, percebo nitidamente que há uma ansiedade nos meninos e meninas que se acentuou depois da Covid-19. Um estudo publicado pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) indicou que 36% dos jovens brasileiros desenvolveram quadros depressivos durante a fase mais aguda da pandemia. Por isso, vejo como muito positivo esse projeto que cria o Programa Nacional de Depressão porque prevenir é sempre o melhor remédio”, aponta Isa.  

A psicóloga Juliane Gigoski diz que a pandemia abarcou um movimento de ruptura na rotina familiar, no contexto educacional e nos modelos de recreação das crianças e adolescentes.  

“Percebo que o afastamento de forma integral dos nossos costumes rotineiros despertou na psique das crianças várias emoções acarretadas de medo, insegurança, tristeza e ansiedade. O aumento dos casos de depressão tornou-se inevitável, considerando o fato de que até mesmo os pais, em muitos momentos, não souberam lidar com a velocidade das mudanças por conta da pandemia. O afastamento presencial das escolas trouxe um paradoxo emocional, uma vez que muitas crianças sentiram a ausência de amigos e professores, ao mesmo tempo, puderam estreitar a convivência familiar. Entretanto, os relacionamentos familiares também enfrentaram dificuldades e, com isso, as crianças foram submergidas a sentimentos ainda mais complexos, promovendo e instaurando não apenas emoções de tristeza, mas a própria depressão infantil, que vem com o sintoma não apenas do choro, mas de sentimentos de desesperança, angústia, pessimismo, alteração alimentar e até mesmo agressividade”, pontuou a especialista. 

Alunos externam sentimentos 

A professora de Redação e Língua Portuguesa Tatiana Nunes concorda que a depressão aumentou após a pandemia. “Sou uma professora que os alunos costumam procurar para conversar e quando eles começam a falar a gente percebe que ainda existem questões emocionais bem latentes. A pandemia deixou sequelas emocionais, com certeza. Não tenho a menos dúvida e eles têm plena consciência disso. Na parte de redação, que vira e mexe a gente faz algum debate, isso sempre aparece de alguma forma… essa fala da pandemia, de ficar isolado”, afirmou. 

A professora do ensino fundamental Fabiane Martins chama a atenção para questões de insegurança que se acentuaram no período pandêmico.  

“A pandemia privou as crianças do convívio social e dessa relação de estar com o outro. Então você imagina que as crianças, normalmente, já passam por fases em que vivem processos de aceitação, de querer se incluir nos grupos, enfrentam transições como as mudanças no corpo e, além de todos esses dilemas, com a pandemia, elas viveram um período em que não podiam se relacionar socialmente com ninguém, conversar ou estreitar vínculos de amizade. Acho que as crianças e adolescentes perderam um pouco o traquejo das relações, de como se relacionar com o outro, como chegar no outro, como iniciar uma conversa com o outro… Com o distanciamento social, as relações ficaram muito na tela, no superficial”, comenta a educadora, acrescentando que após a pandemia alguns alunos tiveram mais dificuldade de retomar o convívio presencial e isso precisa ser trabalhado. 

Juliane Gigoski também acredita que é preciso ter estratégias para nos adaptarmos às mudanças que a pandemia nos apresentou. “Percebo que em muitos casos, a depressão é acompanhada de outros transtornos como a fobia social e ansiedade. Ainda estamos vivenciando sentimentos de ansiedade que expressam nossos medos, preocupações e a incerteza com o amanhã, ainda tomam conta dos pensamentos e sentimentos das nossas crianças”, apontou. 

Campanhas e ações de conscientização  

Para Tatiana Nunes, as ações de conscientização como as previstas no projeto de lei que trata do tema podem ajudar, mas é preciso ir além. “Essas campanhas educativas ajudam, mas têm que ser mais específicas e não podem ser aquelas que abraçam todos os públicos senão ficam superficiais e não funcionam. Também é importante ter uma equipe na escola com profissionais especializados, incluindo psicólogos e orientadores educacionais… isso ajuda bastante”, avaliou a professora.  

Fabiane Martins considera as campanhas importantes, desde que tenham abordagem e linguagem sem preconceito e sem direcionar aquilo que é certo ou errado. “É fundamental que essas ações promovam integração entre os jovens; criem espaços para conversar sobre as inquietudes e dilemas da idade. A escola precisa promover encontros e momentos em que eles possam realmente interagir de uma forma mais espontânea e descontraída, para que possam se aproximar e se enturmar. É importante esse movimento”, ressalta.  

Quando buscar ajuda 

Por fim, a psicóloga Juliane Gigoski diz que uma forma de ajudar crianças e adolescentes é estimulá-las a expressarem seus sentimentos dentro de casa ou na escola. Para isso, é importante um olhar atento dos pais para que sempre que avaliarem necessário encaminharem a outros profissionais da saúde.  

“A família é indispensável para a estruturação da saúde mental de toda criança. É na família que construímos a independência e o saber se relacionar com o mundo. Por isso, é fundamental que os pais e a rede familiar da criança estejam preparados para dar a elas o melhor que tiverem em relação ao amor e ao cuidado de forma plena e integral de qual toda criança precisa. Com a orientação e os estímulos necessários, acredito que a criança possa se desenvolver o seu pleno potencial. Não é apenas saber se a criança está em segurança ou se ela se alimentou e dormiu bem. Mas é saber se a criança consegue falar dos seus sentimentos, dos seus medos, angústias, ouvir seus planos e ajudá-las a canalizar de forma saudável as emoções que sentem. É desse diálogo que nasce toda a questão relacionada ao seu equilibro, físico, mental e espiritual”, conclui Juliane.  

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